Neste artigo abaixo, enviado a mim para exame por um leitor nosso, o coronel médico reformado estadunidense Martin Fackler diz "que a munição do AK47 não é isso tudo que a mídia, — imprensa, cinema, TV e literatura especializada — alardeam nos EEUU". O polêmico Dr. Fackler baseia-se no chamado "massacre de Stockton", ocorrido numa escola da cidade de Stockton, Califórnia, em 1989, onde das 34 crianças e um professor atingidos por tiros de uma versão chinesa do rifle AK-47 soviético construídaem 1956, 30 vítimas sobreviveram, levando Fackler a esbravejar contra a suposta baixa letalidade do calibre 7.62x39mm com a munição militar padrão e contra os supostos exageros da mídia quanto à qualidade do fuzil:
http://www.cs.cmu.edu/afs/c
O texto merece, de início, todas as ressalvas pertinentes à argumentação básica de Fackler de que não existiria "stopping-power" somadas às advertências quanto ao fato de que não se explica no artigo quantos dos tiros em questão passaram de raspão, quantos atingiram apenas membros e quantos atingiram tórax. Ora, saber-se quantos dos referidos disparos passaram de raspão ou atingiram apenas membros era rigorosamente tudo o que importava em relação à argumentação que o precaríssimo artigo encerra para que se pudesse avaliá-la, contradizendo ou referendando a sua discussão central, ou seja, para que se pudesse julgar o mérito do texto. São casos semelhantes de inépcia absoluta em argumentações disformes escritas levam os magistrados a deixarem de conhecer o teor de determinadas petições: o texto de Fackler está, pois, abaixo de toda e qualquer crítica na sua argumentação central, restando a possibilidade de se avaliar conteúdos periféricos àquela e interessantes que pudesse conter.
Contudo, o demais do que é dito no artigo não passa de uma compilação de clichês furtados aos fóruns sobre armas de fogo de domínio público, exceto pelas chacotas de mal gosto e sem qualquer fundamentação, boa ou má, que o coronel médico reformado faz contra as pesquisas científicas sobre o choque hidrostático e seus efeitos, as quais se encontram reunidas no que hoje vem sendo compreendido como uma teoria (vide "Hydrostatic Shock").
O incidente de Stockton já fora comparado por alguém que não merece menção à ação de um "sniper" atirando com uma luneta para forçar a absurda interpretação de que o calibre 5.56x45mm teria maior grau de letalidade que a munição padrão do AK47 em 7.62x39mm... Contudo, esse é um disparate que eu não cheguei a ler nos textos do polemista Martin Fackler, até o momento. O coronel médico compara sim, curiosamente, no paupérrimo artigo em questão, o rendimento do 7.62x39mm com o do 12ga em outros atentados. Assim, compara o aproveitamento de uma arma e munição adequados a CQB com o de uma arma de uso militar de categoria e características inteiramente diversas, echegando perto de concluir o óbvio ululante: as espingardas em 12 ga rendem melhor em CQB. Porém, Fackler não obtém sequer esta vitória, já que não especifica que o melhor rendimento ocorre em CQB, mantendo a questão em termos gerias, onde esta permanece carente de prova. Vê-se que nem mesmo neste ponto há o rigor pré-científico insipiente desejável (e digo "pré-científico insipiente" já que Fackler é apenas uma espécie de cientista amador leigo devotado à crítica de armas e munições): os feridos em todos os incidentes referidos foram conduzidos a hospitais em tempo hábil, tendo muito maior chance de recuperação dessa forma do que teriam soldados feridos em campo de batalha. Um homem atingido por um tiro de fuzil no campo de batalha pode nem sequer chegar a receber tratamento médico, vindo a morrer horas ou dias depois. São, portanto, situações muito diversas as que Fackler compara abusando da mais irrestrita promiscuidade intelectual e verborragia jocosa e inútil.
Todavia, considerando-se que os projéteis oriundos do AK47 no atentado de Stockton tivessem transfixado realmente os tóraxes de alguma ou algumas das vítimas sem provocar a morte isso, até certo ponto, viria ao encontro da inquietante questão que é o eixo central das nossas modestas especulações no artigo "CT30: Dragão Em Pele De Cordeiro?":
Será que os calibres supersônicos excessivamente transfixantes que, eventualmente, perdem todo o "stopping-power", falhando em incapacitar os seus alvos a pouca distância, teriam melhor performance nesse quesito com cargas subsônicas?
É claro que essa questão, em princípio, nada tem a ver com graus de letalidade, mas sim com a capacidade de provocar estado de choque medida em termos probabilísticos a que se chama poder de parada, ou, em língua inglesa "stopping-power". Entrementes, poder-se-ia discutir também se o grau de letalidade, importante apenas em campos de batalha, poderia ser potencializado através da maior transferência de energia para o alvo oriunda de projéteis com cargas subsônicas.
O 9x39mm, desenvolvido pelos russos para o moderno VSS "Vintorez" é um exemplo de evolução do 7.62x39mm já citado no artigo "CT30: Dragão Em Pele De Cordeiro?".
Seria possível que a bala do Vintorez, ao transferir toda a energia cinética que de que está carregada, tenha maior êxito em incapacitar à pequenas distâncias do que a munição padrão do AK47, preparada para transfixar obstáculos numa floresta tropical, por exemplo, ou em outras situações de batalha, ao passo em que o "anêmico" 5.56mm se deixa desviar até mesmo pelo vento, não mencionando os mais tênues obstáculos? E, com ter maior poder de parada (se for este o caso), será que tal munição chegaria a ter também maior grau de letalidade que a munição padrão do AK (a M43) full-metal-jacked? É possível adimitir-se sem hesitação que a ocorrência do estado de choque deixaria o alvejado mais a mercê de um próximo disparo e, outrossim, que poderia tornar a sua locomoção e socorro mais lentos e dificultosos tanto mais quanto mais duradouro o estado de desfalecimento.
Seria possível que pontas expansivas ou, novamente, subsônicas e, ademais, pesadas naquela MT12 do incidente citado também no artigo "CT30: Dragão Em Pele De Cordeiro?" tivessem derrubado de imediato o delinqüente mencionado, causando estado de choque, e salvando a vida daquele Cabo PM?
Será possível que a CT30 com munição M1 subsônica rendesse melhor em CQB e talvez até em campo de batalha (duas questões distintas) do que com a munição de carga padrão de que se queixaram os soldados norte-americanos durante a Segunda Guerra, visto que transfixava o inimigo, falhando em incapacitá-lo?
As questões estão cada vez melhor delineadas, e respeitam, neste caso, a carga de propelente e não estilo de pontas. O que nós não podemos, nem pretendemos fazer é tentar responder: isso, obviamente, só a prática nos teatros de operações militares e no serviço policial quotidiano poderá fazer, pois que nem mesmo os testes laboratoriais têm o condão de predizer como será, em termos reais, o efeito das munições sobre seres humanos em todos os ambientes físicos e situações possíveis.
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Em apêndice.
Disparates sobre armas e munições publicados por Fackler só no artigo em tela:
"As balas militares FMJ (“full-metal-jaquet”) são projetadas especificamente para limitar o rompimento de tecidos – para ferir ao invés de matar." O 7.62x51, o .56x45, o 7.62x39mm e todo calibre militar de fuzil estão nesse saco: ferir sem matar...
"Presumivelmente encomendadas por razões "humanitárias" pela Conferência de Paz de Haia de 1899, este tipo de projéteis na realidade revela-se mais eficaz para a maioria das guerras [por ferir sem matar]."
“Isto significa que a maioria dos tiros de AK-47 passará através do corpo sem causar maiores danos que os produzidos por balas de arma de mão.”
Um comentário:
Bom,na minha opinião no caso do Atentado De Stockton primeiramente deve-se saber em que parte do corpo as pessoas foram atingidas ou se as balas passaram de "raspão",e a que distancia os tiros foram disparados pois a longa distância o AK-47 não é muito preciso e por isso as vítimas podem ter sido atingidas nas mãos,braços e pernas em vez do tórax ou outra parte importante do corpo,e se o atirador tinha um bom treinamento na arma.Outro ponto que deve ser destacado é o fato do progétil do 7.62x39mm ser conico e por isso ele perde muita energia a uma distância acima de 400m.Tudo isso varia muito no desempenho balístico.
Esse tal de Martin L. Fackler é só um leigo que não entende nada de armas!
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